sexta-feira, 14 de maio de 2021

Já não tenho avós

Esta semana começou como qualquer outra. Na verdade, bastante mais calma do que a semana anterior, pelo que estava a gozar o abrandamento do ritmo e levava a segunda feira com mais calma. Um dia falo-vos do projecto em que estou metida e a loucura que tem sido. 
O meu pai ligou-me depois do almoço e, ao melhor estilo de um bulldozer descarregou a notícia em mim "olha o avô morreu". Um baque. Um momento.
Falámos um pouco, por muito que esperemos, nunca estamos verdadeiramente à espera. O estado de saúde do meu avô podia descrever-se em números e mesmo assim não lhe definia a condição. O meu avô estava acamado há 5 anos, por causa de um AVC, venceu 2 cancros (tanto quanto sei), tinha Parkinson, estava há dois meses e tal no hospital, com uma pneumonia, apanhou COVID e mesmo assim conseguiu ser assintomático, apanhou uma bactéria hospitalar, perdeu sangue e recebeu transfusões. E foi-se aguentando, um magro e pálido exemplar do que já foi. Até já não dar para mais.

Outro número que posso acrescentar a esta equação é o facto de eu já não o ver há uns... 8 anos talvez? Não era propriamente uma zanga, não era ódio ou desprezo, apenas aceitação de que as pessoas da nossa família não são quem queremos e precisamos que sejam. E este meu avô partiu em desvantagem, porque o meu outro avô era o homem da minha vida. Por isso, depois de ter sido um personagem desestabilizador na harmonia da família, e ter armado confusões desnecessárias achei que era melhor manter-me afastada. Sem culpas nem mágoas. Apenas permitir que as nossas vidas seguissem os seus rumos.

Mas dói-me que ele tenha desaparecido. O meu avô foi mais amado do que talvez merecesse, tinha uma família grande, 3 filhos, 5 netos e 6 bisnetos. Teve uma mulher que o adorou a vida toda, mesmo depois de se ter separado dele. O amor de uma vida nem sempre é isento de dor, percebi isso com os meus avós. Não apostou nos filhos e castigou duramente quem não pensava como ele, quem não se encaixava no seu ideal. A linguagem de amor que conhecia eram palavras ríspidas e dinheiro, e no fim, quando perdeu tudo, sobrou-lhe o amor dos filhos e da mulher que infernizou a vida da minha avó (justiça seja feita, esteve sempre do lado dele, portanto talvez tenha sido amado por duas mulheres afinal).

Dói-me que a vida dele tenha sido assim, tão cheia de insegurança e conflito, de ideais antigos e mastigados que nem sei se ele verdadeiramente acreditava neles, que não tivesse sensibilidade para lidar com as pessoas. Dói-me que tenha sido um pai castrador, um avô autoritário e um marido negligente. Dói-me que não tenha visto a beleza e abundância da sua família e tudo o que ele fez contribuiu apenas para marcar conflitos e separar as pessoas. Mas ainda assim não nos separámos. Nem uns dos outros, nem dele. Dói imaginar que era preciso tão pouco para todos termos sido uma família mais feliz.
Dói que não tenha podido dizer-lhe que eu gostava dele e o perdoo. Mas espero que o saiba. 

E, numa nota mais egoísta, dói-me ter perdido todos os meus avós. Nos últimos 4 anos foram-se logo 3. Eu sei, doentes, envelhecidos, frágeis. A vida é mesmo assim, o envelhecimento é mesmo assim. Eu aceito a lei da vida. Mas dói-me esta perda, estas perdas, a solidão que deixam. Doeu-me esta última despedida. Um pouco da minha infância foi com ele. 

Somos as nossas histórias. As histórias dos outros com quem nos cruzamos. Ele leva um pouco da minha. Eu partilho um pouco da dele.
Até logo avô.

2 comentários:

Agridoce disse...

Um abraço, Joana. E não é egoísta. Acho que crescer é isto. É ver a vida a levar os nossos e, com isso, dar-nos um alerta de que estamos a envelhecer também nós...

Analog Girl disse...

bem verdade. A vida é assustadora por vezes, na mesma medida em que é maravilhosa. Levamos as nossas dores e esperamos apenas que o fim não seja doloroso (nem muito próximo, que isto com filhos queremos cá estar até muuuuuito tarde ❤️)