segunda-feira, 20 de abril de 2020

Notas soltas de uma quarentena

Os dias são todos iguais. Há alguma dificuldade em perceber quando começa e acaba uma nova semana mas lá vamos desvendando o calendário, e assim de repente já passou um mês e uns trocos de isolamento e nem acredito que já é dia 20 de Abril. As crianças andam com os sonos todos trocados. E nós demasiado exaustos para tabelar as energias, vamos gerindo ao nosso ritmo. Todos passamos por altos e baixos, mais ou menos insónias, mais ou menos dificuldade em trabalhar. Mas a verdade é que sendo iguais ou não, eles passam e passam velozes. E ainda não sabemos muito bem quando e como acabarão.

Já me fui um bom bocado abaixo com isto tudo, já discuti muito, larguei lágrimas solitárias, mas também tive momentos de intensa paz. Ontem, pela primeira vez, deixei a loiça fora da máquina e só arrumei hoje de manhã (eu sempre tive uma pequena rebelde em mim). E soube bem não tentar controlar tudo. Não seguir uma obrigatoriedade de cumprir um horário rígido em casa. às vezes as coisas podem esperar.
Não limpo a casa tantas vezes como gostava mas ainda assim tenho as mãos feridas de tanto detergente e esfregona. 

As compras doem, está tudo caro, tudo se gasta mais, e claro que gastamos mais (os miúdos não param de comer?) mas não abdico de um vinho de vez em quando, de pilhas para os brinquedos, de risota e dança na sala ao som do panda. E em breve também vou gastar mais do que devo em terra e vasos para continuarmos a plantar coisas, comemos um rabanete cultivado por nós na salada e estava delicioso. Queremos mais. Girassóis estão a abrir na varanda.



Tento praticar aquela coisa da gentileza e paciência para comigo mesma todos os dias a cada falha, ao mínimo sinal de culpa, de alarme. Já percebi que muito desta vida é feito no improviso e nesta fase improvisamos mais que nunca. Quando temos por cá a mais velha fazemos trabalhos com ela e tentamos ter tempo para tudo. Nem sempre dá. Mas há dias desenhámos as duas e foi maravilhoso. Não escrevo como gostaria, apenas tenho apontado alguns momentos de angústia, e comecei um novo caderno de desenho e tenho tido alguns momentos felizes nele. Comecei a reaprender a tricotar e não tenho jeito nenhum mas tenho lãs maravilhosas herdadas da minha avó e ainda não desisti. 

Às vezes durmo sestas com o meu filho, vá... não é só às vezes, é quase sempre, mas ele também me interrompe tanto as noites, a juntar à minha insónia... uma sesta é um balão de oxigénio. Não tenho tempo para trabalhar nas pequenas coisas que tenho penduradas, mas elas cá continuam e vão avançando ao ritmo possível. Não me esqueço que sou uma sortuda que se pode dedicar mais ao filho e à casa do que muita gente. A sala já sofreu algumas alterações. Afinal, é de todos. Um colchão e almofadas no chão, a zona lounge, pizzas no sofá, a utilização de um móvel que estava por cá temporariamente para apoiar os trabalhos e brincadeiras, e as tralhas que se vão acumulando na arrecadação. E a casa sabe-me tao bem e nunca esteve tão cheia e tão bonita.

Video calls com os amigos que são irmãos, com os primos, com o meu pai e a minha irmã. Muitos beijinhos atirados no ar que sabemos que não os podem tocar, mas esperamos que lá fiquem junto a eles. Muitas saudades dos meus, da liberdade de sair, de os encontrar e abraçar quando quero. Conversas soltas, saudades, tagarelices, tudo por whatsapp. Não me canso das tecnologias nesta fase.

Ontem encontrei-me com o meu pai e irmã. Demos uma pequena volta aqui no quarteirão e sofri por não os abraçar. O meu filho, que não compreende este conceito de afastamento, não os largava, mas fartámos de lhe desinfectar as mãos para poder andar de mão dada com eles.
As actividades da escola vão ocupando as nossas mentes e mesmo assim pouco conseguimos fazer. Ai a culpa outra vez, preciso de mandar e-mail aos educadores. 

Leio menos livros, compenso nas revistas. Mil ideias enchem-me a cabeça e a Netflix ocupa o tempo solto. Já vi a segunda temporada do The terror na tv (é no AMC ou SY-FI? Já não sei), o Freud da Netflix, o Hill House Haunting e estamos a terminar o Irlandês. Em breve vai surgir a segunda temporada de Afterlife e quero ver o Dois papas. E o Stranger Things. E tanta coisa. Mas tudo devagar. Uma coisa de cada vez, ao ritmo dos dias. 
Que são todos iguais.

Como anda a vossa Coronatena?