quarta-feira, 19 de maio de 2021

Overdose de vida digital

Sintomas:

- Ler artigos/blogs/seja o que for na diagonal;

- Aquilo que antes me dava prazer passa a ser um stress ou mais um item a riscar na checklist;

- Ter mil tabs abertos no chrome e ao final de alguns dias fechá-los sem sequer os ler/ver/ouvir;

- Uma lista gigantesca e crescente de podcasts que quero muito ouvir mas alguns vão ficar ali pendurados indefinidamente (os de true crime têm prioridade, lamento);

- noitadas mesmo quando estou cansada a ver séries na Netflix porque posso aproveitar o sofá, mas passo o tempo a jogar jogos de velha tipo mahjong no telemóvel, ou a trocar mensagens (muitas vezes de trabalho), ou a trabalhar enquanto ouço os diálogos;

- Ir ao instagram/facebook/twitter só para picar o ponto e limpar as notificações;

- Cursos online parados;

- Não conseguir ler as revistas que compro, muitas vezes porque levo o telemóvel para a mesa do pequeno-almoço;

- começar a considerar o meu tempo em frente à câmara do ecrã e do computador. Muito ângulo feio e limpeza nasal devem apanhar as câmaras dos telefones;

- Perceber que existem mais 50 programas de videochamada à distância e durante longos e felizes anos apenas conhecia o skype;

- Ter carregadores espalhados pela casa toda (e tirá-los das fichas para não desperdiçar energia).

Bem sei que por imposição das circunstâncias tivémos todos de nos adaptar e ajustar e viver uma vida mais virtual. Mas acho que ando a acusar o excesso de informação e imposições que tudo isto trouxe. Resolver as coisas no momento, dar resposta a tudo, estar a par de tudo. Quero voltar atrás mas nem sei bem onde começar. Voltar a fazer um detox digital? Apagar a conta do Facebook? O blog? As minhas contas de instagram? Fazer unsubscribe de dezenas de newsletters e apagar emails que não vou ler e os podcasts que não vou mesmo ouvir? Apagar apps do telefone? Sair mais de casa só para deambular (haja tempo)? 

Parece que para deixar de fazer e ver coisas tenho de fazer ainda mais. E mantenho-me na mesma. Por preguiça. Pura procrastinação. Dormência. Algo vai ter que mudar não vai?

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Já não tenho avós

Esta semana começou como qualquer outra. Na verdade, bastante mais calma do que a semana anterior, pelo que estava a gozar o abrandamento do ritmo e levava a segunda feira com mais calma. Um dia falo-vos do projecto em que estou metida e a loucura que tem sido. 
O meu pai ligou-me depois do almoço e, ao melhor estilo de um bulldozer descarregou a notícia em mim "olha o avô morreu". Um baque. Um momento.
Falámos um pouco, por muito que esperemos, nunca estamos verdadeiramente à espera. O estado de saúde do meu avô podia descrever-se em números e mesmo assim não lhe definia a condição. O meu avô estava acamado há 5 anos, por causa de um AVC, venceu 2 cancros (tanto quanto sei), tinha Parkinson, estava há dois meses e tal no hospital, com uma pneumonia, apanhou COVID e mesmo assim conseguiu ser assintomático, apanhou uma bactéria hospitalar, perdeu sangue e recebeu transfusões. E foi-se aguentando, um magro e pálido exemplar do que já foi. Até já não dar para mais.

Outro número que posso acrescentar a esta equação é o facto de eu já não o ver há uns... 8 anos talvez? Não era propriamente uma zanga, não era ódio ou desprezo, apenas aceitação de que as pessoas da nossa família não são quem queremos e precisamos que sejam. E este meu avô partiu em desvantagem, porque o meu outro avô era o homem da minha vida. Por isso, depois de ter sido um personagem desestabilizador na harmonia da família, e ter armado confusões desnecessárias achei que era melhor manter-me afastada. Sem culpas nem mágoas. Apenas permitir que as nossas vidas seguissem os seus rumos.

Mas dói-me que ele tenha desaparecido. O meu avô foi mais amado do que talvez merecesse, tinha uma família grande, 3 filhos, 5 netos e 6 bisnetos. Teve uma mulher que o adorou a vida toda, mesmo depois de se ter separado dele. O amor de uma vida nem sempre é isento de dor, percebi isso com os meus avós. Não apostou nos filhos e castigou duramente quem não pensava como ele, quem não se encaixava no seu ideal. A linguagem de amor que conhecia eram palavras ríspidas e dinheiro, e no fim, quando perdeu tudo, sobrou-lhe o amor dos filhos e da mulher que infernizou a vida da minha avó (justiça seja feita, esteve sempre do lado dele, portanto talvez tenha sido amado por duas mulheres afinal).

Dói-me que a vida dele tenha sido assim, tão cheia de insegurança e conflito, de ideais antigos e mastigados que nem sei se ele verdadeiramente acreditava neles, que não tivesse sensibilidade para lidar com as pessoas. Dói-me que tenha sido um pai castrador, um avô autoritário e um marido negligente. Dói-me que não tenha visto a beleza e abundância da sua família e tudo o que ele fez contribuiu apenas para marcar conflitos e separar as pessoas. Mas ainda assim não nos separámos. Nem uns dos outros, nem dele. Dói imaginar que era preciso tão pouco para todos termos sido uma família mais feliz.
Dói que não tenha podido dizer-lhe que eu gostava dele e o perdoo. Mas espero que o saiba. 

E, numa nota mais egoísta, dói-me ter perdido todos os meus avós. Nos últimos 4 anos foram-se logo 3. Eu sei, doentes, envelhecidos, frágeis. A vida é mesmo assim, o envelhecimento é mesmo assim. Eu aceito a lei da vida. Mas dói-me esta perda, estas perdas, a solidão que deixam. Doeu-me esta última despedida. Um pouco da minha infância foi com ele. 

Somos as nossas histórias. As histórias dos outros com quem nos cruzamos. Ele leva um pouco da minha. Eu partilho um pouco da dele.
Até logo avô.