segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Pretérito perfeito

Daqui a 7 dias vai fazer 9 anos que escrevi este post, no meu blog anterior. Estive a manhã toda à procura deste texto porque julgava que já o tinha publicado aqui na box. Fico tão feliz por tê-lo encontrado.
Porque este ano, daqui a 7 dias, eu poderia repetir quase tudo o que escrevi, mas já só posso escrever no pretérito perfeito e não no presente. Hoje vim trabalhar com o vazio dela presente em mim. A saudade dói-me na alma. Em menos de um ano despedi-me das minhas avós. Estou cansada disto, de ver gente a morrer, de me despedir. Ficam as palavras do orgulho que sempre senti dela. Da minha admiração.
E prometo um regresso um pouco mais feliz para breve. Para já, o eco dos anos passados...

“ A minha avó faz hoje 77 anos. Apetecia-me dar-lhe 77 rosas brancas, 77 beijinhos, 77 abraços, e, porque não, 77 chocolates, porque ela é gulosa como eu. 
Tem um feitio tramado a minha avózinha, diz o que lhe passa pela cabeça e não pensa nas consequências, que às vezes se viram contra ela. Fuma e ouve a televisão muito alto, porque os ouvidos já não são o que eram. Cozinha divinamente, sempre com muita gordura, e tem o colesterol muito alto como dita a genética (coisas que eu e a M. herdámos também), mas que até agora nunca causou nenhum problema. Diariamente sai de casa, desce o 2º andar pelas escadas, caminha 1km até ao centro comercial ali perto onde compra o jornal e volta para casa. Como dorme poucas horas por dia, costuma dormitar à tarde depois do telejornal, às vezes até durante as novelas preferidas dela.

É a mulher mais corajosa que conheço. 
Abrigou a minha bisavó até quase ao fim da sua vida, mesmo trabalhando e tendo três filhos para criar, tomou conta da prima viúva que não tinha filhos quando o cancro a estava a corroer e ficou com ela até ao último minuto. A minha avó vive sozinha há cinco anos e três meses, desde que o meu avô partiu, e ai de quem lhe ameaçar tirar a independência. Perdeu o marido e a filha no espaço de dois anos e meio, mas nunca desistiu de lutar e de ajudar sempre que possível. De quando em vez cozinha para nós, e enche-nos de mimos. Muito frequentemente as palavras delas vêm acompanhadas de lágrimas, mas mantém-se forte e, quando preciso, também posso desabafar no ombro dela. Dizem que herdei dela a cor de pele e o cabelo (que era lindo, obrigada) e o corpo, claro, que também era o da minha mãe. 
E de todas as minhas recordações de infância, as relacionadas com ela são as mais presentes, pois sempre me fez sentir amada e acarinhada. A casa dela é o meu templo, ali sinto-me sempre bem, apesar das lágrimas que já lá foram derramadas ao longo dos anos. Ela faz parte de mim, e ela não sabe disto, mas não há dia em que não agradeça a presença dela, acho que nem desconfia como é importante para mim. Quando trabalhava mais perto de casa ia lá almoçar ou aparecia mais frequentemente ao fim da tarde, só que a vida complicou-se e esses momentos deixaram de ser tão frequentes.
Mas hoje, depois do trabalho, vou aparecer lá em casa com chocolates, flores, abraços e beijinhos. Porque ela merece. Porque a quero ver sorrir, porque quero sentir-lhe o cheiro e o conforto, porque quero que ela saiba que estou sempre com ela, porque sei que ver os netos é a alegria dela. Porque hoje ela faz 77 anos.”