segunda-feira, 16 de abril de 2018

Desabafo

Perdoem-me a fra(n)queza, mas eu tenho de perguntar... como é que as mães fazem?! Como é que se conseguem organizar para fazer jantar para toda a família, para limpar e destralhar a despensa, para inventar receitas, para por os filhos mais velhos à escola, para manter a roupa em dia, como? Estes exemplos são apenas ilustrativos, claro, mas há por aí muita mãe nesta bonita blogosfera e afins, que conseguem fazer mil coisas, e algumas têm bebés pequenos. Ok, quando já é o segundo ou o terceiro filho a coisa deve descomplicar à grande mas eu por vezes ainda me sinto tão arrebatada, tão assoberbada e a tentar manter-me à tona, que fico boquiaberta com os feitos destas mulheres. Como é que conseguem?

É porque os vossos bebés dormem melhor do que o meu? Os vossos maridos participam mais do que o meu? Têm mais força de vontade do que eu? Acredito que muitas tenham ajuda que eu não tenho mas isso não lhes tira o mérito de conseguirem equilibrar tantas outras coisas... e eu até me acho uma pessoa organizada e capaz em tantas coisas. Mas não consigo fazer uma lista semanal das refeições, não consigo tirar muito tempo para me enfiar na cozinha a preparar alimentos para a semana, nem para limpar o pó ou a casa de banho às vezes tenho tempo... quanto mais para fazer posts e tirar fotos e elaborar textos com cabeça, tronco e membros. Ou talvez eu não tenha nada para dizer, também pode ser isso.

E isto não é uma critica, nada disso. Isto é pura inveja e curiosidade também. Porque há oito meses que a minha vida tem de ser pensada antes de agir, que tenho de planear todos os passos e preparar tudo de antemão, porque a espontaneidade parece ter ficado perdida no tempo e que cada acção que eu tenha de tomar seja sempre rápida e sem pensar muito senão começo a amolecer e desisto (sair com o miúdo para umas compras, por exemplo, e aproveitar as janelas de tempo em que ele não vai precisar de comer e com sorte, de mudar a fralda também).
As coisas evoluem e melhoram, eu sei, e já tanto melhorou, já posso respirar em tantas situações que antes me sufocavam completamente (dar de mamar de 2h em 2h é das coisas mais paralisantes que já vivi) mas sei que isto não volta exactamente atrás e aceitar que agora este é o meu novo normal é ainda difícil. Não sei se alguma vez vou descontrair e aproveitar a viagem, se vou largar a necessidade de controlo ou a ansiedade de ter de cumprir com determinados requisitos. Não sei se farei posts com imagens bonitas e textos cuidados aqui no blog outra vez (há dias em que acho que é melhor abandonar o tasco porque não sinto que acrescente seja o que for). Não me sinto ainda capaz de abraçar projectos ou ideias a longo prazo. E custa assumir as limitações. Custa sentir que tanto depende de mim, e que as minhas coisas estão em suspenso por tempo indeterminado. É quase como passar novamente pelo burnout - despojar tudo e depois começar a construir aos poucos.

Não que eu esteja a morrer de vontade de fazer mil outras coisas. Mas gostava de encontrar a disponibilidade mental e na agenda para voltar a fazer algumas coisas de forma mais espontânea. Não me consigo ainda descontrair. Ou então estou a ver tudo pela perspectiva pré-filhos, em que não havia o risco de ser interrompida nestas coisas, em que eu dependia só de mim... talvez precise mesmo de ver ascorosas por outro prisma, até porque este é um dos momentos mais bonitos que já vivi e quero honrá-lo ao máximo. Mas também gostava da minha vida antes, que fazer?
Vida complicadinha, esta!

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Da morte e de como há coisas que não desaparecem

Quando o Freddie Mercury morreu, eu chorei. Tinha 9 anos e mal conhecia os Queen. Mas ouvi uma música dele na rádio, numa noite em que passeava com os meus pais no carro, e algo na voz dele me tocou profundamente. Nessa semana tinha também morrido o pai de uma colega minha, e foi um choque enorme. Chorava por ela, que perdeu o pai tão pequena, chorava pelo pai dela que morreu longe de casa, pelo Freddie que tinha tanto talento e desapareceu deste mundo, deixando-nos órfãos de uma das melhores vozes já ouvidas. 

 Por vezes a morte parecia-me perfeitamente natural, por vezes parecia-me absolutamente devastadora. Ultimamente tem sido demasiado presente na minha vida. Não só a perda da minha mãe passou a fazer parte de mim desde há quase 12 anos, como os mais velhos da família vão envelhecendo e desaparecendo, todos os anos. E por vezes isso me faz sentir que a minha vida é um arame e eu atravesso-o sem rede de apoio. Ou pelo menos uma muito roída e velha. Perder os nossos idosos faz-me sentir como se me roubassem uma parte de mim, da minha infância. 

 Sempre tive uma predisposição melancólica e cedo percebi que há coisas que não voltam nunca. Provavelmente foi nessa mesma noite em que chorei pela morte do Freddie Mercury e do pai da minha amiga de escola. Agora, com um filho a coisa piora, até o medo da morte (menos por mim, mais por ele), e com os números de roupa e de fralda a subirem, percebo que vou passar o resto da minha vida no paradoxo de mãe de o querer ver a crescer e desenvolver-se, de o amar cada vez mais a cada dia, e querer voltar atrás e tê-lo aproveitado mais, se bem que já absorvo tanto dele todos os dias. Uma luta absolutamente inglória, claro. 

 Hoje ouvi o álbum “A night at the Opera” dos Queen, e a última vez que o ouvi completo deveria ter uns 11, 12 anos. Passava os dias de férias em casa da minha avó, e nesta fase da pré-adolescência, eu, que sempre gostei de estar sozinha, fugia para o quarto do meu tio M., enquanto ele trabalhava e jogava solitário no velho PC dele, enquanto ouvia CDs na aparelhagem que ele tinha no quarto. Este CD dos Queen saía diariamente da prateleira de cima da estante e eu ouvia-o até me cansar, a ler as letras no encarte da caixa. E percebi de repente que hoje faz 2 meses que a minha avó morreu. E ainda não concebo um mundo sem ela. Porque na verdade, no meu mundo, ela está lá sempre. Assim como eu estou ainda no quarto do meu tio, a ler a letra do ’39, e a sonhar ao som das músicas do Freddie e companhia. E a minha avó depois teria ido refilar comigo que estava fechada lá no quarto dele há demasiado tempo. Assim como ainda tenho 9 anos e acabo de perceber a profundidade da morte. Assim como ainda abraço a minha mãe e com jeitinho ainda lhe sinto o cheiro e ouço o som da sua voz. O mesmo para o meu avô e a minha outra avó.

Cabe tanto mundo em algumas notas musicais. Cabe tanto de nós na música, no cheiro, nas memórias que não se apagam. Há que mantê-las junto a nós. E partilhá-las. Como estou a fazer agora.