Em miúda, quando desanimava com os trabalhos de casa e a escola e o difícil que era ter dois testes no mesmo dia e organizar-me para estudar, e as Barbies (não sei como!) sussurravam-me ao ouvido para brincar com elas, os meus pais impunham a regra do "trabalho antes do prazer", que eu teria tempo para tudo, bastava saber gerir o meu tempo. E com o passar dos anos lá fazia os meus esforços para que acontecesse. Às vezes conseguia, outras vezes os trabalhos eram demais e não havia espaço para a diversão, noutros dias não haviam trabalhos e podia descontrair, e ainda haviam os raros momentos em que os trabalhos eram uma diversão e normalmente envolviam composições ou desenhos. Lembro-me da vez em que desenhei o meu patim da patinagem artística, já com a bota muito amolgada, visto de várias perspectivas, para a aula de Educação Visual, que me deu um gozo tremendo (e ficou bastante bom, modéstia à parte), ou de quando copiei algumas vinhetas da banda desenhada do Astérix para um trabalho de História sobre os romanos (e fui largamente elogiada pela professora porque fui a única que não se limitou a fotocopiar as partes que interessavam).
Já não é novidade que olho para esses anos com um misto de saudade e melancolia. Não adorei o Colégio, mas talvez por ser um ambiente tão rígido, obrigou-me a seguir os meus instintos e a encontrar alguma originalidade e autenticidade que me levou mais tarde à área de artes e aos anos mais felizes, de quando eu era uma estudante do secundário.
Hoje pensei nisto porque acabei de costurar a minha primeira mala, e porque parece que mais uma vez estou a sentir-me assoberbada, mas lá na minha memória ouço a voz dos meus pais, e explicarem que havia tempo para tudo e sinto que sim, finalmente estou a sentir que voltei a criar, a brincar, a sair do ambiente pouco criativo do trabalho (eu sei que por definição trabalho numa área criativa mas infelizmente nem sempre posso verdadeiramente sê-lo, especialmente se há outras áreas criativas que me dizem mais do que esta) e a fazer as coisas que me dão gozo, e a almejar cada dia mais e mais por elas e a encaixar diariamente bocadinhos que me fazem sair da rotina e procurar novamente a minha voz. É engraçado. Basta dar um pequeno passo, e depois os outros vão seguindo e quando dou por mim preciso de ter estes projectos, estes pequenos pormenores diários. A criatividade realmente é algo fantástico, basta dar-lhe um empurrãozinho e lá vai ela!