O meu filho não é desculpa para eu não ser pessoa. Na verdade, desde que ele nasceu que eu procuro voltar a ser uma pessoa, singular, sem ser apenas a mãe do Gonçalo. Mas não é fácil, é uma tarefa algo lenta. Especialmente porque, para começo de conversa, temos de perceber quem somos depois do nascimento de um filho. Se já não é descabida a ideia de que um filho recém-nascido ainda é, em todo o caso, um estranho que estamos a começar a conhecer, então e o que será dito de nos (re)conhecermos após termos "mãe" indelevelmente tatuado na alma? Após nos inchar a barriga, as coxas, as ancas, após passar por um parto, por um arrombo enorme no nosso corpo, e depois todo o tumulto hormonal, a loucura de tentar perceber o que se faz aquele ser pequenino que depende inteiramente de nós. Onde ficamos nós?
Não é fácil, não é imediato, mas ao fim de um tempo, começamos a reconhecer-nos. Um passo de cada vez. E enquanto desvendamos aquela pessoa que estava enterrada em nós, qual relíquia arqueológica, percebemos que mais uma vez teremos de reinventar quem somos, porque para além de tudo o mais que antes éramos, agora somos mães. Nada é exactamente igual.
Recentemente li uma frase que resume bem este sentimento que a maternidade nos desperta: "The thing that is most difficult when you are a mother is that it is condemnation for a lifetime. It's never possible to press pause." - Leila Slimani
Usar a palavra "condemnation" parece um pouco brusco, mas por vezes uma pessoa sente-se assim, de facto. Não há forma de aligeirar o fardo, não podemos parar para respirar, temos de seguir em frente sem contemplações nem tempo para decidir se estamos a fazer bem ou mal. A nossa liberdade é sempre condicional a partir daqui.
Por isso custa e lixa bem a cabeça a uma pessoa, quando vêm de fora generalizar, dizer que tem de ser assim ou assado, senão o miúdo pode ficar isto ou aquilo, e que devias fazer o que dizem porque assim é que é.
(respiro fundo e lanço um suave "foda-se" mental)
Se eu pudesse, jantava fora todas as semanas, tomava o pequeno-almoço com calma na cozinha, maquilhava-me todos os dias (em que me apetece) e não só os que até consigo encaixar o tempo, viajava sem puto sempre que a carteira permite, fazia fins-de-semana românticos com o meu parceiro. Era lindo, mas não é realista. Porque eu tenho um ser humano com vontades próprias e sonos instáveis que não me permitem estar confortável numa série de situações. Ainda.
Por isso irrita-me até à medula que achem que uso o meu filho como desculpa para nem sempre conseguir fazer coisas. Pessoal, eu já era uma cortes antes de ser mãe, eu sou introvertida, um serão ideal para mim será sempre sofá e uma manta com livros ou Netflix (e vinho já agora). Eu fantasio com uma passagem de ano sozinha. Esta sou eu, sempre fui, e não é um filho que muda.
O meu filho não é desculpa, quando eu quero, eu vou, eu participo, mas sim, tem limites. Ele ainda é um bebé. Eu ainda amamento e sim, isso condiciona muito a minha vida, mas é uma escolha minha que deve ser respeitada e aceite. E não vou nunca aceitar que me tentem fazer sentir mal porque não consigo fazer as coisas como antigamente. Não quero viver em função dele, mas há que aceitar que ainda não consigo estar completamente solta. Cada bebé tem o seu timing, cada mãe tem o seu alcance, cada família a sua forma de gestão. Temos de nos ir adaptando aos poucos e os outros têm mais é de comer e calar. Nisto sou muito peremptória.
Virem de fora criticar ou generalizar é algo que cada vez mais é inadmissível. Eu não o faço com ninguém, é muito fácil aproveitar estes momentos de fragilidade para opinar, difícil é respirar, parar, e aceitar que a outra pessoa apenas quer ser ouvida, não julgada.
E era engraçado que estes comentários não viessem de outras mães e pais, que sabem o que é que a casa gasta.
Enfim, precisava de mandar isto cá para fora. Peço desculpa estar ausente tanto tempo para vir aqui fazer um rant, mas precisava de exorcizar a coisa.
1 comentário:
É uma coisa muito recente da nossa cultura ocidental esta da autonomia das crianças quase desde que nascem. A vida nunca mais é a mesma, os miúdos dependem realmente de nós durante muito tempo e não quero despachar o trabalho de os educar e cuidar constantemente para outros (já basta as longas horas diárias que passam nos infantários).
Mas sim, é muito generalizada a convicção das pessoas de que sabem o que é melhor para ti como mãe e para o teu filho. É um ruído de fundo que me incomoda também de tempos a tempos mas temos de estar confiantes que fazemos o nosso melhor e que sabemos melhor as nossas circunstâncias e dos filhos que temos.
Beijo, minha querida. Desabafar é o melhor!
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