quarta-feira, 11 de abril de 2018

Da morte e de como há coisas que não desaparecem

Quando o Freddie Mercury morreu, eu chorei. Tinha 9 anos e mal conhecia os Queen. Mas ouvi uma música dele na rádio, numa noite em que passeava com os meus pais no carro, e algo na voz dele me tocou profundamente. Nessa semana tinha também morrido o pai de uma colega minha, e foi um choque enorme. Chorava por ela, que perdeu o pai tão pequena, chorava pelo pai dela que morreu longe de casa, pelo Freddie que tinha tanto talento e desapareceu deste mundo, deixando-nos órfãos de uma das melhores vozes já ouvidas. 

 Por vezes a morte parecia-me perfeitamente natural, por vezes parecia-me absolutamente devastadora. Ultimamente tem sido demasiado presente na minha vida. Não só a perda da minha mãe passou a fazer parte de mim desde há quase 12 anos, como os mais velhos da família vão envelhecendo e desaparecendo, todos os anos. E por vezes isso me faz sentir que a minha vida é um arame e eu atravesso-o sem rede de apoio. Ou pelo menos uma muito roída e velha. Perder os nossos idosos faz-me sentir como se me roubassem uma parte de mim, da minha infância. 

 Sempre tive uma predisposição melancólica e cedo percebi que há coisas que não voltam nunca. Provavelmente foi nessa mesma noite em que chorei pela morte do Freddie Mercury e do pai da minha amiga de escola. Agora, com um filho a coisa piora, até o medo da morte (menos por mim, mais por ele), e com os números de roupa e de fralda a subirem, percebo que vou passar o resto da minha vida no paradoxo de mãe de o querer ver a crescer e desenvolver-se, de o amar cada vez mais a cada dia, e querer voltar atrás e tê-lo aproveitado mais, se bem que já absorvo tanto dele todos os dias. Uma luta absolutamente inglória, claro. 

 Hoje ouvi o álbum “A night at the Opera” dos Queen, e a última vez que o ouvi completo deveria ter uns 11, 12 anos. Passava os dias de férias em casa da minha avó, e nesta fase da pré-adolescência, eu, que sempre gostei de estar sozinha, fugia para o quarto do meu tio M., enquanto ele trabalhava e jogava solitário no velho PC dele, enquanto ouvia CDs na aparelhagem que ele tinha no quarto. Este CD dos Queen saía diariamente da prateleira de cima da estante e eu ouvia-o até me cansar, a ler as letras no encarte da caixa. E percebi de repente que hoje faz 2 meses que a minha avó morreu. E ainda não concebo um mundo sem ela. Porque na verdade, no meu mundo, ela está lá sempre. Assim como eu estou ainda no quarto do meu tio, a ler a letra do ’39, e a sonhar ao som das músicas do Freddie e companhia. E a minha avó depois teria ido refilar comigo que estava fechada lá no quarto dele há demasiado tempo. Assim como ainda tenho 9 anos e acabo de perceber a profundidade da morte. Assim como ainda abraço a minha mãe e com jeitinho ainda lhe sinto o cheiro e ouço o som da sua voz. O mesmo para o meu avô e a minha outra avó.

Cabe tanto mundo em algumas notas musicais. Cabe tanto de nós na música, no cheiro, nas memórias que não se apagam. Há que mantê-las junto a nós. E partilhá-las. Como estou a fazer agora.

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